Mari Moura / Fotos: Maria Aparecida
Esse final de semana, no CDC Vento Leste, tivemos a “visita” da Cia. Sansacroma, grupo sediado no bairro do Capão Redondo, na Zona Sul, aqui nessa imensa São Paulo. O grupo apresentou o espetáculo “Outras portas, outras pontes” como parte da circulação do seu Projeto de Fomento à Dança.
As apresentações aconteceram nas noites da 6ª, sábado e domingo. O espetáculo começa na rua, na frente do CDC, e depois segue recheando todo o espaço interno e externo com suas imagens e sombras.
Mobilizada pela experiência resolvi me arriscar a escrever uma carta (beeeeeeem despretensiosa) à companhia já que muitos “Vivas!” devem ser erguidos a esse trabalho e ao grupo-criador. (Mesmo me sentindo em terreno estranho ao falar de dança...)
Primeiro, que alegria saber que em uma periferia tão distante (?) da nossa, temos um grupo que em outra linguagem pensa sobre questões tão semelhantes àquelas que temos nos embatido por cá, no Patriarca. O espetáculo, do meu ponto de vista, reflete sobre essa forma de organização social que habitamos nos dias de hoje, esse mundo do trabalho e da exclusão que estamos enfiados “até as tampas”. Talvez motivada pelo recente estudo do texto de Marco Fernandes sobre as razões do sucesso das igrejas pentecostais nas periferias, pensei durante o espetáculo sobre o que ele chama de “sofrimento social”, este sofrimento produzido pelo trabalho que vai das lesões físicas a um transtorno mental e emocional muito pouco olhado e cuidado por nós. As imagens propostas, especialmente no espaço exterior ao CDC, me remeteram a isso: a falsa sensação de que o mundo não tem lugar para todo mundo (numa alegoria de “dança das cadeiras”) e o desencontro e atrito de tentar estar, caber, servir para poder existir... um doído apresentado sem texto (no sentido “careta” da palavra), mas presente de corpo e de rosto. E lá, desmontada (quem diria?!) de todos os meus preconceitos com a dança, me senti contemplada e acolhida naquele “retrato”.
(“A psicoterapia popular do Espírito Santo – hipóteses sobre as razões do sucesso pentecostal na periferia de metrópoles periféricas” de Marco Fernandes)
Em algumas das últimas reflexões internas do Dolores, conversamos sobre como o nosso modo de se relacionar, se avaliar e refletir sobre a nossa prática é discursiva e como isso possibilita apenas um tipo de comunicação que há alguns satisfaz e a outros nem tanto. Aí pensei como é importante a gente se apropriar de todas as linguagens a nosso dispor para refletir e (quiçá) fazer refletir sobre nossa condição. Por que o teatro, o texto, toca à uns. A dança, as artes plásticas, a música, alcança outros... e precisamos de todas as ferramentas para ousar desmontar essa condição de vida tão naturalizada em nós. Tão fortes ficam as imagens protagonizadas pelo corpo, há quantos de nós o reconhecimento não é mais imediato nesse formato?! Fora a subversão do belo, da dança, da música. Ousando mexer em poesia de Brecht, a frase que me ecoa é: que tempos são esses em que dançar é quase um delito?
Além do presente que é o espetáculo em si, ver como vocês se organizam (tanta semelhança!), onde botam força, o cuidado de chegar e estar no espaço conhecendo e se apropriando. Beberam da nossa história, transformaram o seu fazer e nos deram mais significado em nossa estada nesse espaço. Além de nos alimentarem com um caldinho revigorante para a luta!
[Aliás esse texto do Marco Fernandes é bem imperdível para aqueles que estão pensando e experimentando seu papel junto à classe trabalhadora – a nossa classe – e nas periferias. Não achei esse texto ao qual me refiro mas encontrei o “Luta, que cura! - Aspectos terapêuticos das lutas de massa e alguns desafios para o trabalho de base contemporâneo” que versa sobre o mesmo tema.]
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